Geoglifos da Amazônia: Uma Expedição para Desvendar o Passado Ancestral
- Redação 24Hrs
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Por Chico Araújo, de Brasília
No próximo dia 25, o paleontólogo brasileiro Alceu Ranzi liderará uma expedição científica na fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia, com um objetivo audacioso: desvendar os segredos dos geoglifos da Amazônia. Essas estruturas geométricas monumentais, escavadas no solo há milênios, prometem revelar quando e por quem foram construídas, trazendo à tona a história da civilização Aquiry, que habitou o Acre e o Amazonas em tempos tão remotos quanto os de gregos, romanos e até a era de Jesus Cristo.

Com formas de círculos, quadrados e retângulos, os geoglifos são verdadeiras obras-primas de até 350 metros de diâmetro, com valetas e muretas que desafiam o tempo. Mais de 800 sítios arqueológicos já foram identificados, sobretudo no leste do Acre, próximos aos rios Acre e Iquiri, além de áreas no sul do Amazonas, oeste de Rondônia e norte da Bolívia. Descobertos nos anos 1970, em meio ao desmatamento, ganharam destaque após Ranzi avistar um deles em um voo comercial em 1999, iniciando estudos que transformariam nossa visão sobre a Amazônia.
A Ciência em Busca de Respostas
A expedição de Ranzi focará na coleta de material orgânico para datação por carbono-14, técnica que mede a idade de restos biológicos com base na decadência de isótopos radioativos, essencial para determinar a cronologia dos geoglifos. “Em breve, teremos dados consistentes sobre quando esse povo viveu aqui”, garante Ranzi. As evidências sugerem que, há cerca de 2.000 a 3.000 anos, uma civilização sofisticada, com amplo conhecimento geométrico, ergueu essas estruturas para rituais, celebrações ou até propósitos defensivos, desafiando a ideia de uma Amazônia “intocada”.
Entre os dias 10 e 12 de maio de 2025, Ranzi e sua equipe conduziram expedições em Boca do Acre e Lábrea, no Amazonas, totalizando 17 horas e 20 minutos de trabalho em campo. Utilizando drones equipados com tecnologia LiDAR de alta precisão, que mapeia o terreno sob a densa floresta, e contando com três fotógrafos especializados, os pesquisadores identificaram novos geoglifos, ampliando o mapa arqueológico da região. Essas descobertas reforçam a presença de uma rede de centros cerimoniais que conectavam comunidades em vastas áreas da Amazônia, evidenciando uma organização social complexa.
Anúncio Histórico em Manaus
No dia 25 de maio, na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Manaus, Ranzi anunciará oficialmente às autoridades locais a existência desses novos geoglifos no Amazonas. O evento marcará um momento crucial para a preservação do patrimônio arqueológico, destacando a urgência de proteger essas estruturas milenares contra o avanço do desmatamento e da monocultura. “Esses achados reescrevem a história da Amazônia e exigem ações imediatas para sua conservação”, enfatiza Ranzi, que espera mobilizar apoio para futuras pesquisas.
As descobertas em Boca do Acre e Lábrea não apenas ampliam o conhecimento sobre a civilização Aquiry, mas também reforçam a importância de integrar a ciência arqueológica à conservação ambiental. Os geoglifos, testemunhos de uma civilização que vivia em harmonia com a floresta, enfrentam a ameaça de tratores e queimadas. Proteger esses sítios é também preservar a memória de um povo que moldou a Amazônia, desafiando o mito de uma selva intocada e inspirando um futuro sustentável.
Um Legado Ameaçado
A civilização Aquiry, que alcançou seu apogeu por volta do ano 150 d.C. com mais de um milhão de habitantes, deixou um legado impressionante. Seus centros cerimoniais, conectados por redes viárias, revelam uma sociedade complexa que cultivava milho, abóbora e domesticava árvores como castanheiras e palmeiras. Contudo, o avanço da monocultura e do desmatamento ameaça esses vestígios. “A Amazônia não é mais uma selva virgem; ela foi moldada por povos que viviam em harmonia com a natureza”, destaca Ranzi, alertando para a destruição de um patrimônio arqueológico inestimável.
O Pioneirismo de Alceu Ranzi
Natural do Rio Grande do Sul e radicado no Acre há mais de quatro décadas, Ranzi é uma referência mundial no estudo dos geoglifos. Presidente do Instituto Geoglifos da Amazônia e coordenador do projeto “Desvelando o Passado Profundo”, ele publicou obras como Geoglifos do Acre: Passado Profundo (2021) e artigos em revistas como Journal of Field Archaeology e Antiquity, muitos em parceria com pesquisadores como Martti Pärssinen e Denise Schaan. Com mestrado em Geociências e doutorado pela Universidade da Flórida, Ranzi dedicou 25 anos à pesquisa, transformando o Acre em um epicentro de descobertas arqueológicas.
A expedição de Ranzi é mais do que uma busca por respostas; é um chamado para proteger a história e o ecossistema amazônico. Com tecnologias como o LiDAR, os cientistas já encontraram milhares de estruturas, sugerindo que a população da Aquiry era muito maior do que se imaginava. “Não sabemos por que essa civilização desapareceu, mas cada geoglifo descoberto nos aproxima de desvendar esse mistério”, afirma Ranzi. Enquanto a Amazônia enfrenta a ameaça do desmatamento, a ciência corre contra o tempo para preservar um passado que pode redefinir o futuro.
Por que isso importa?
Os geoglifos do Acre não são apenas relíquias; são testemunhos de uma civilização que desafia preconceitos históricos e reforça a importância da Amazônia para o clima global. Proteger esse patrimônio é garantir que as vozes de um povo ancestral continuem a ecoar, inspirando gerações a valorizar a floresta e sua história milenar.